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quinta-feira, 6 de maio de 2010

Patativa do Assaré- A beldade do sertão


    A beldade do sertão nordestino, Patativa do Assaré é o nome de um poeta repentista vindo do Ceará, que deixou diversas obras que falavam de sua terra,da vida do sertanejo através das suas próprias experiências.
    De família pobre, Antônio Gonçalves da Silva,viveu da agricultura junto com os pais, e só pode se alfabetizar aos 12 anos.Mesmo com uma trajetória com muitas dificuldades, Patativa como era conhecido, possuiu uma inspiração nata de poeta, a estrutura de seus poemas seguem as rimas perfeitas da literatura de cordel, comparáveis a de Camões (escritor Humanísta português).Graças a sua arte,ele recebeu vários prêmios, sendo nomeado por cinco vezes Doutor Honoris Causa.Ele publicou obras durante toda a sua vida, até aos 91 anos de idade. 
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    Abaixo passei trecho da obra "Cante lá, que eu canto cá", onde ele compara o camponês pobre, e o estudante da cidade grande.Perfeito poema, criativo e interativo, na minha opinião, retrata bem a cara do Brasil, linguagem simples mais artísticamente bem feita.Se aproxima muito da mensagem de Morte e vida Severina de João Cabral de Melo Neto. 
    Cante lá, que eu canto cá
    Poeta, cantô de rua, 
    Que na cidade nasceu, 
    Cante a cidade que é sua, 
    Que eu canto o sertão que é meu.
    Se aí você teve estudo, 
    Aqui, Deus me ensinou tudo, 
    Sem de livro precisá 
    Por favô, não mêxa aqui, 
    Que eu também não mexo aí, 
    Cante lá, que eu canto cá.
    Você teve inducação, 
    Aprendeu munta ciença, 
    Mas das coisa do sertão 
    Não tem boa esperiença. 
    Nunca fez uma paioça, 
    Nunca trabaiou na roça, 
    Não pode conhecê bem, 
    Pois nesta penosa vida, 
    Só quem provou da comida 
    Sabe o gosto que ela tem.
    Pra gente cantá o sertão, 
    Precisa nele morá, 
    Tê armoço de fejão 
    E a janta de mucunzá, 
    Vivê pobre, sem dinhêro, 
    Socado dentro do mato, 
    De apragata currelepe, 
    Pisando inriba do estrepe, 
    Brocando a unha-de-gato.
    Você é muito ditoso, 
    Sabe lê, sabe escrevê, 
    Pois vá cantando o seu gozo, 
    Que eu canto meu padecê. 
    Inquanto a felicidade 
    Você canta na cidade, 
    Cá no sertão eu infrento 
    A fome, a dô e a misera. 
    Pra sê poeta divera, 
    Precisa tê sofrimento.
    Sua rima, inda que seja 
    Bordada de prata e de ôro, 
    Para a gente sertaneja 
    É perdido este tesôro. 
    Com o seu verso bem feito, 
    Não canta o sertão dereito, 
    Porque você não conhece 
    Nossa vida aperreada. 
    E a dô só é bem cantada, 
    Cantada por quem padece.
    Só canta o sertão dereito, 
    Com tudo quanto ele tem, 
    Quem sempre correu estreito, 
    Sem proteção de ninguém, 
    Coberto de precisão 
    Suportando a privação 
    Com paciença de Jó, 
    Puxando o cabo da inxada, 
    Na quebrada e na chapada, 
    Moiadinho de suó.
    Amigo, não tenha quêxa, 
    Veja que eu tenho razão 
    Em lhe dizê que não mêxa 
    Nas coisa do meu sertão. 
    Pois, se não sabe o colega 
    De quá manêra se pega 
    Num ferro pra trabaiá, 
    Por favô, não mêxa aqui, 
    Que eu também não mêxo aí, 
    Cante lá que eu canto cá.
    Repare que a minha vida 
    É deferente da sua. 
    A sua rima pulida 
    Nasceu no salão da rua. 
    Já eu sou bem deferente, 
    Meu verso é como a simente 
    Que nasce inriba do chão; 
    Não tenho estudo nem arte, 
    A minha rima faz parte 
    Das obra da criação.
    Mas porém, eu não invejo 
    O grande tesôro seu, 
    Os livro do seu colejo, 
    Onde você aprendeu. 
    Pra gente aqui sê poeta 
    E fazê rima compreta, 
    Não precisa professô; 
    Basta vê no mês de maio, 
    Um poema em cada gaio 
    E um verso em cada fulô.
    Seu verso é uma mistura, 
    É um tá sarapaté, 
    Que quem tem pôca leitura 
    Lê, mais não sabe o que é. 
    Tem tanta coisa incantada, 
    Tanta deusa, tanta fada, 
    Tanto mistéro e condão 
    E ôtros negoço impossive. 
    Eu canto as coisa visive 
    Do meu querido sertão.
    Canto as fulô e os abróio 
    Com todas coisa daqui: 
    Pra toda parte que eu óio 
    Vejo um verso se bulí. 
    Se as vêz andando no vale 
    Atrás de curá meus male 
    Quero repará pra serra 
    Assim que eu óio pra cima, 
    Vejo um divule de rima 
    Caindo inriba da terra.
    Mas tudo é rima rastêra 
    De fruita de jatobá, 
    De fôia de gamelêra 
    E fulô de trapiá, 
    De canto de passarinho 
    E da poêra do caminho, 
    Quando a ventania vem, 
    Pois você já tá ciente: 
    Nossa vida é deferente 
    E nosso verso também.
    Repare que deferença 
    Iziste na vida nossa: 
    Inquanto eu tô na sentença, 
    Trabaiando em minha roça, 
    Você lá no seu descanso, 
    Fuma o seu cigarro mando, 
    Bem perfumado e sadio; 
    Já eu, aqui tive a sorte 
    De fumá cigarro forte 
    Feito de paia de mio.
    Você, vaidoso e facêro, 
    Toda vez que qué fumá, 
    Tira do bôrso um isquêro 
    Do mais bonito metá. 
    Eu que não posso com isso, 
    Puxo por meu artifiço 
    Arranjado por aqui, 
    Feito de chifre de gado, 
    Cheio de argodão queimado, 
    Boa pedra e bom fuzí.
    Sua vida é divirtida 
    E a minha é grande pená. 
    Só numa parte de vida 
    Nóis dois samo bem iguá: 
    É no dereito sagrado, 
    Por Jesus abençoado 
    Pra consolá nosso pranto, 
    Conheço e não me confundo 
    Da coisa mió do mundo 
    Nóis goza do mesmo tanto.
    Eu não posso lhe invejá 
    Nem você invejá eu, 
    O que Deus lhe deu por lá, 
    Aqui Deus também me deu. 
    Pois minha boa muié, 
    Me estima com munta fé, 
    Me abraça, beja e qué bem 
    E ninguém pode negá 
    Que das coisa naturá 
    Tem ela o que a sua tem.
    Aqui findo esta verdade 
    Toda cheia de razão: 
    Fique na sua cidade 
    Que eu fico no meu sertão. 
    Já lhe mostrei um ispeio, 
    Já lhe dei grande conseio 
    Que você deve tomá. 
    Por favô, não mexa aqui, 
    Que eu também não mêxo aí, 
    Cante lá que eu canto cá.
                                        Patativa de Assaré/Antônio Gonçalves da Silva

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